Se há algo incômodo em professar uma crença religiosa, é lidar com o sofrimento. Principalmente o sofrimento alheio. Tentar “encaixar” a presença, a soberania, o amor e a justiça de DEUS quando alguém sofre é, geralmente, uma tarefa difícil e arriscada. Arriscada porque nossa compreensão da dor alheia é sempre simplista, egoísta e limitada.
A dor e o sofrimento alheios parecem um convite ao questionamento e à dúvida.
Talvez o mais clássico dos questionamentos acerca disso que ecoa ainda hoje é onde estava DEUS durante o Holocausto. A crítica é que DEUS parece ter ignorado, ou feito visto grossa. A crítica é de que ELE parece ter ficado em silêncio.
Essa ideia do silêncio de DEUS é bem interessante. Marjo Korpel e Johannes de Moor escreveram um bom livro a esse respeito, “The Silent God”. Uma das sacadas dos autores é apontar de que maneira o silêncio na comunicação entre seres humanos e entre ser humano e DEUS ocorrem na Bíblia (e na literatura do Antigo Oriente Próximo).
As conclusões são curiosas.
O silêncio entre seres humanos se dá por alguma ofensa feita por um dos lados, por temor ou medo, por prudência, incapacidade ou, curiosamente, por alguém estar dormindo. O ser humano se silencia diante de Deus pelos mesmos motivos, conforme esse estudo.
Já o silêncio de DEUS em relação ao ser humano se dá por alguma ofensa que esse humano tenha cometido contra DEUS, ou por prudência –duas categorias semelhantes às mencionadas nos outros “silêncios” da Bíblia. Entretanto, há no silêncio de DEUS em relação ao ser humano um aspecto novo: o silêncio incompreensível. Não há qualquer explicação. DEUS simplesmente se calou.
Talvez o Salmo 22:1-2 [2-3] traduza melhor o sentimento:
“Deus meu, Deus meu,
por que me desamparaste?
Distante de me ajudarem estão as palavras do meu gemido.
Deus meu,
eu choro de dia, mas não me respondes,
e de noite, mas não encontro descanso.”
Quer dizer, no meio de seu sofrimento, o salmista não encontra resposta de DEUS. Só há silêncio. Jesus, no madeiro, cita exatamente esse salmo. O DEUS que havia falado quando do Seu batismo, agora Se cala quando da Sua morte. No momento de unção e alegria, a voz ecoa “Tu és meu Filho amado”. No momento de angústia, solidão e desespero… silêncio.
Incompreensível.
Talvez a chave esteja em entender melhor o silêncio na comunicação de maneira geral. Silêncio não existe sem som. Como coloca Christoph Wulf: “A melodia da fala consiste em palavras e pausas. Silêncio tem seu tempo e lugar nas pausas entre as palavras e frases nas quais o pensamento é formado. Para o ouvinte é uma preliminar necessária para decodificar a dimensão semântica e metafórica da fala. Todo falante usa não apenas palavras, mas também não-palavras, as pausas, os lugares e momentos de estar silente. Silêncio é um constituinte da interação. Uma pessoa falando faz com que as outras fiquem em silêncio, fazendo-as sua audiência e determinando o silêncio deles por sua fala. O ouvir deles é parte da fala e, portanto, do entendimento.”
Deste modo o silêncio constrói dois aspectos fundamentais da comunicação: a organização da fala de quem fala e a oportunidade para entender o que é falado por parte de quem ouve.
Por fim, um longo silêncio na comunicação indica que o discurso terminou. E agora é hora da resposta.
Portanto, se DEUS está silente, talvez seja hora do ser humano falar a Seu respeito. Talvez ELE já tenha comunicado Sua verdade e encerrado Sua fala e, agora, seja a hora da resposta. Um midrash antigo diz: “Quando vocês forem minhas testemunhas, então eu sou DEUS.”
Não à toa uma série de textos bíblicos falam do povo de DEUS como testemunha dELE (Josué 24:22; Atos 1:8; etc). Assim, em primeira instância, o silêncio de DEUS é um convite para que falemos dELE.
Por fim, se ELE falar através de nossas ações e também de nossas palavras, ELE não estará em silêncio.
Porque através de Seu Espírito, Ele continua falando hoje em Sua Palavra (Bíblia) e deveria continuar falando através de Seu povo.
Nosso silêncio implica no silêncio de DEUS. ELE fala através de nós. ELE alivia a dor e o sofrimento do mundo através de você.
Ademais, o fato de pensarmos em Seu silêncio é um claro indicativo de que ELE já nos falou em algum momento. E é na esperança de ouvi-lO novamente que deveríamos nos mover.
E, em breve, ELE mesmo falará “Vinde benditos de meu Pai”.
[via A Terceira Margem do Rio]
Nota do blog: Muito interessante também este texto de Ellen G. White para refletirmos:
"A Bíblia nos mostra Deus em Seu alto e santo lugar, não em um estado de inatividade, não em silêncio e solidão, mas circundado por miríades de miríades e milhares de milhares de seres santos, todos esperando por fazer a Sua vontade. Por meio desses mensageiros, Ele está em ativa comunicação com todas as partes de Seus domínios. Por Seu Espírito está presente em toda parte. Por meio de Seu Espírito e dos anjos, ministra aos filhos dos homens. Acima das perturbações da Terra, está Ele sentado em Seu trono; tudo está patente ao Seu exame; e de Sua grande e serena eternidade, ordena aquilo que melhor parece a Sua providência" (A Ciência do Bom Viver, p. 183).